Breno Macedo é graduando em História na Universidade de São Paulo (USP). Pesquisador e membro do Ludens desde o início de 2012, integrando o projeto Brasil na Arquibancada. Desenvolve a pesquisa a partir de história oral, fontes primárias e relatórios de campo. Oriundo de uma família de boxeadores e ex-pugilista, mantém uma relação íntima com o Boxe, sendo este esporte de combate seu objeto central de estudos. Mantem projeto de pesquisa que visa estudar a história social do Boxe no Brasil.

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Imagine um mundo em que brancos e negros viviam separados e não podiam exercer as mesmas funções. Um homem negro lutou contra isso e conseguiu derrubar antigas regras racistas em seu país, provando que negros e brancos são iguais. Não estamos falando de Nelson Mandela, mas sim de Jack Johnson, o primeiro boxeador negro a sagrar-se campeão do mundo peso pesado em 1908.
No início do século XX, o Boxe reconhecia um campeão mundial, que era sempre um boxeador branco, e também um campeão negro, ou colored, já que os afro-americanos não podiam disputar o título mundial absoluto. Lutas inter-raciais começavam a acontecer na década de 1900, mas um título mundial peso pesado nunca havia sido disputado por um pugilista negro antes de Jack Johnson. Em 1903, Johnson conquistou o título dos negros e passou então a desfiar o campeão mundial absoluto, o também norte-americano James Jeffries. Jeffries, logicamente, negou-se a defender seu título contra um boxeador negro, apoiando-se na ideia de que não poderia decepcionar os milhares de fãs do esporte rebaixando-se ao mesmo nível de um homem negro.

JackJohnson
 Johnson era tido como um desafiante poderoso, impressionava pela sua condição física, suas técnicas defensivas, seu poder de nocaute e sua tranquilidade durante as lutas. Era um boxeador nato. Johnson ficou durante anos vencendo homens brancos em lutas que não valiam títulos e batendo os desafiantes negros que queriam seu cinturão enquanto não recebia a oportunidade de lutar pelo título mundial absoluto. Em 1907, Johnson lutou contra um ex-campeão do mundo, Bob Fitzsimmons, vencendo-o por nocaute no segundo round. A esmagadora vitória colocou mais pressão para que Johnson pudesse tentar conquistar o cetro mundial, agora em poder de Tommy Burns, um boxeador canadense.
Tommy Burns fez jus ao apelido do Boxe na época, prizefight (luta por prêmios), e exigiu 30 mil dólares para encarar Johnson. O valor era mais que o dobro que já fora pago anteriormente a um boxeador.  Foi a maneira que Burns encontrou para evitar a luta contra o perigoso lutador negro. Burns iniciou uma turnê mundial, lutando em vários países distintos, e Jack Johnson o seguiu, assistindo os combates à beira do ringue e desafiando-o após cada vitória. Ao chegar na Austrália, um empresário local, Hugh McIntosh, decidiu então pagar a quantia exigida por Burns para que a luta ocorresse e o combate foi marcado para um dia depois do natal, dia 26 de dezembro de 1908. Como desafiante, a bolsa de Johnson era de 5 mil dólares, enquanto Tommy Burns faturou os 30 mil dólares exigidos.

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As cinquenta mil pessoas que compareceram às arquibancadas erguidas na baía Rushcutter, em Sidney, Austrália, assistiram o boxeador negro espancar impiedosamente o campeão branco.  Muito mais forte, mais alto, mais pesado e mais técnico, Johnson foi imensamente superior ao Burns, e dominava amplamente a luta no 14º round, quando a polícia invadiu o ringue e paralisou a luta. O juiz da contenta declarou então Johnson vencedor e, consequentemente, o primeiro campeão mundial absoluto negro na princial categoria de peso do Boxe, o peso pesado.

A vitória de Jack Johnson o alçou a posição de celebridade esportiva mundial, o primeiro negro a alcançar tal destaque. Pessoas negras comemoraram o feito por todo os Estados Unidos, o que desencadeou revoltas populares e mortes movidas por racismo.  Johnson ficou com o título por oito longos anos, derrotando todos os desafiantes ao titulo do do mundo. Até o antigo campeão que se negou a enfrentar Johnson, James Jeffries, saiu da aposentadoria para ser derrotado pelo boxeador afro-americano em 1910. Durante seu longo reinado, criou-se uma busca por um lutador branco capaz de derrota-lo, busca que foi chamada de “a esperança branca” pela mídia especializada e grande público. Johnson só perdeu o título em 1915, quando foi derrotado no 26º round pelo grandalhão Jess Willard, um boxeador branco.

Se em 1936 o corredor afro-americano Jesse Owens provou perante Adolf Hitler a inexistência de uma supremacia racial, Jack Johnson foi seu precursor 30 anos antes. Nascido em 1878 e filho de um ex-escravo, Johnson muito provavelmente não fazia ideia do que representava seu feito para a luta anti-racista em pleno ano de 1908. Quando Muhammad Ali negou-se a ir ao Vietnã, em 1967, dizendo nunca ter sofrido preconceito por nenhum vietnamita, o boxeador tinha por trás toda a intelectualidade e politização da Nação do Islã.  Atrás de Johnson, haviam apenas empresários gananciosos, que viam naquele boxeador uma mina de ouro, tanto pelo talento como pelas polêmicas envolvidas na sua figura. Mesmo que seja por intermédio de empresários racistas atrás de dinheiro, Johnson fez história, foi o primeiro esportista negro de destaque em todo o planeta e seu legado ecoa há mais de um século. Em 26 de dezembro de 2013 completaram-se 105 anos que pela primeira vez um homem negro chegou ao topo do mundo através do esporte, abrindo o caminho para milhares de boxeadores, corredores, nadadores, judocas, jogadores de futebol e jogadores de basquete trouxessem para o esporte a riquíssima contribuição do povo negro.


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Fontes:

Nat FLEISCHER, Sam ANDRE. A Pictorial History of Boxing, Bonanza Books, 1981.

Ken BURNS.  Documentário Unforgivable Blackness: the Rise and Fall of Jack Johnson, Florentine Films, 2005.

Fonte de pesquisa de resultados de lutas: http://www.boxrec.com


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